Em um contexto social marcado por desigualdades históricas e estruturais, a meritocracia, outrora idealizada como um sistema justo de ascensão social, encontra-se envolta em discussões acaloradas. A crença de que o sucesso é fruto unicamente do esforço individual se choca com a dura realidade de milhões de brasileiros que, mesmo com empenho e dedicação, veem-se impedidos de alcançar seus objetivos por fatores externos e muitas vezes invisíveis.
Um estudo da OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (2019) revelou que um brasileiro nascido entre os 10% mais pobres levaria 225 anos para alcançar a renda média nacional, enquanto uma família desafortunada precisaria de 9 gerações para ascender socialmente. O salário mínimo, por sua vez, demandaria 19 anos para alcançar o equivalente a um mês de renda do 0,1% mais rico.
Aspectos como acesso precário à educação de qualidade, saúde e alimentação, somados à falta de oportunidades e à discriminação por raça, gênero, orientação sexual e classe social, têm um impacto significativo nas trajetórias individuais e erguem barreiras intransponíveis para muitos.
Embora controversa, a teoria do mérito ganhou popularidade nos discursos políticos e empresariais, servindo como base ideológica para muitas organizações no Brasil, a fim de mascarar processos pouco transparentes e frequentemente marcados por nepotismo e favorecimento de grupos privilegiados.
No entanto, especialistas argumentam que a verdadeira igualdade de oportunidades educacionais, econômicas e sociais é essencial para que a meritocracia funcione. Do contrário, o conceito acaba por perpetuar as desigualdades, premiando aqueles que já nasceram com privilégios e punindo os menos favorecidos. O sociólogo Michael Young, que cunhou o termo em 1958, o fez de maneira crítica, descrevendo-o como um mecanismo que divide a sociedade entre vencedores arrogantes e perdedores amargurados.
Sob a perspectiva de muitos estudiosos, a meritocracia como ideal, é falha, não sendo aceita como um sistema universalmente justo. De modo oposto, é vista como um mito, uma crença falsa que precisa ser desconstruída e combatida. Em entrevista concedida ao Jornal da Unicamp, em 2017, o então professor e historiador da Unicamp e de Harvard, Sidney Chalhoub, afirmou que “não existe nada que justifique essa meritocracia darwinista, que é a lei da sobrevivência do mais forte e que promove constantemente a exclusão de setores da sociedade brasileira”.
Em tempos de crescente consciência social, em que diversidade, equidade e inclusão estão em evidência, pela própria ascensão das diretrizes ESG no mundo corporativo, a ideologia meritocrática vem sendo amplamente questionada. Isto se deve também ao reconhecimento de que a implantação de um ambiente inclusivo e diverso, onde diferentes perspectivas e experiências se complementam, contribui para o sucesso dos negócios, impulsionando a inovação e a geração de valor para a organização e a sociedade.
É relevante destacar que a proposta de ações de inclusão não se trata de assistencialismo ou favorecimento, mas de uma revisão crítica dos processos que reforçam as desigualdades. Esse esforço intencional em promover práticas inclusivas visa garantir que o pertencimento a um determinado grupo não seja um obstáculo para o desenvolvimento profissional, combatendo discriminações veladas ou explícitas que ainda persistem em muitas empresas.
Por muito tempo, acreditei na narrativa do mérito como único critério para o sucesso. E assim, travei minhas lutas, empreendi meus esforços e fiz minhas renúncias para conquistar meu espaço, mesmo em meio às dificuldades. Contudo, o fato é que a grande maioria das pessoas também batalha e se dedica, mas nem todas conseguem alcançar o êxito que almejam, porque há uma série de variáveis que influenciam no seu percurso.
Hoje, penso que a meritocracia seria um instrumento de recompensas adequado, desde que todos pudessem iniciar do mesmo ponto de partida e tivessem chances equânimes de desenvolvimento. Nesse sentido, tomo emprestada a abordagem de Nataly Pugliesi (Você S/A), para incitar uma reflexão: “Seria correto colocar o presidente da empresa e o operário da fábrica no mesmo patamar de igualdade?”
Para a construção de uma sociedade mais íntegra e igualitária, se faz necessário aprofundar e avançar no debate sobre o assunto, considerando a condição socioeconômica, as desvantagens e os demais fatores que interferem na vida e no progresso das pessoas. Torna-se imperativo repensar as estruturas que moldam nossas sociedades e organizações e buscar a implementação de medidas que assegurem uma distribuição mais apropriada das oportunidades e minimizem as disparidades.